Crianças perguntam a Thây

 Plum Village, Retiro de Verão, 2001
  
Porque os monges raspam a cabeça? Tudo bem matar muriçocas? Como podemos ajudar nossos professores maus? Porque temos que morrer um dia? O que devemos fazer quando outras crianças fazem gozação da gente? Estas foram algumas das perguntas que as crianças fizeram ao Mestre Nhat Hanh, em Plum Village, numa sessão de perguntas e respostas. Eis as hábeis e amorosas respostas de Thây às crianças.


Tradução: Tâm Vãn Lang
Criança: Porque vocês raspam a cabeça?

Thây: Esta é uma pergunta clássica. Muitas crianças perguntam "por que vocês raspam a cabeça?" A resposta que eu geralmente dou é que nós queremos economizar xampu. Mas também existem outras respostas. Buda disse aos monges e monjas: toda manhã quando se acordarem toquem suas cabeças para se lembrar que vocês são um monge ou uma monja, não uma pessoa mundana. Ao lembrar-se que é um monge ou uma monja você saberá que não deve sair correndo atrás de fama e lucro, você deve tentar cultivar mais compaixão e compreensão todo dia. Esta é uma das razões porque raspamos a cabeça: para nos lembrar que somos monges e monjas.

Outra razão é que raspar a cabeça é um ato simbólico que realizamos para mostrar nossa determinação de não fazer como fizemos antes. Nós realmente queremos começar de uma nova maneira. Queremos viver uma vida espiritual. Raspar a cabeça é uma expressão da nossa determinação. A cabeça raspada da pessoa é um tipo de linguagem dizendo: eu quero seguir o caminho espiritual de Buda.

Outro motivo é que nós queremos dizer às pessoas que nós já somos monges e monjas e elas não devem tentar nos conquistar para sermos seus maridos ou esposas. Esta é uma mensagem indireta: eu já sou um monge, por favor, não tente me seduzir. Eu já sou uma monja, por favor, não tente me seduzir. Por favor, me deixe em paz para que eu possa seguir o caminho de Buda. É muito claro. Não corra atrás de mim; eu já sou um monge; eu já sou uma monja. 


Criança: Thây, as muriçocas ficam  me mordendo e eu quero que elas parem. Posso matar algumas delas todo dia?  

Thây: Quando eu era um garotinho eu também fazia a mesma pergunta. Depois aprendi que a muriçoca precisa ter alguma comida para viver. É como nós. Quando estamos com fome, também procuramos algo para comer. Isso é muito natural. Eu acho que existem maneiras pelas quais podemos nos proteger de ser mordido pelas muriçocas. No Vietnam todo mundo tem um mosquiteiro para dormir embaixo dele de noite. Se as pessoas não usam mosquiteiro têm que matar muriçoca a noite toda. Não só algumas poucas porque depois que você mata uma, outra virá. Então você passa a noite toda matando muriçoca. Por isso matar muriçoca não é a melhor solução. Uma forma que podemos nos proteger é usando um mosquiteiro. Eu acho que existem alguns mosquiteiros em Plum Village. Você pode pedir aos irmãos para lhe emprestar um, assim você pode salvar a vida das muriçocazinhas.



De vez em quando eu pratico deixando os mosquitos me darem uma picada. Alguns irmãos e irmãs também praticam assim. Quando uma muriçoca pousa na gente, apenas inspiramos e expiramos e apenas deixamos as muriçocas terem alguma comida. Não fazemos isto com muita freqüência. Mas de vez em quando queremos praticar assim para nutrir a nossa compaixão e compreensão. Às vezes quando eu via uma muriçoca pousar em mim eu fazia um tipo de tempestade para fazer a muriçoca voar pra longe. Mas fazíamos isto sem qualquer raiva. Apenas impedíamos que a muriçoca nos picasse.

Criança: Como podemos ajudar os nossos professores maus?

Thây: O que você quer dizer por mau?

Criança: Professores que gostam de acusar os outros e dão trabalho extra para as crianças fazerem.
 
Thây: Quando dizemos "nossos professores são maus," temos certeza que somos bons alunos? Esta é a primeira questão: somos bons alunos na escola? Ajudar nosso professor é uma coisa muito boa a ser feita. Eu acho que, em primeiro lugar, nós devemos mostrar nossa simpatia e não devemos mostrar nossa raiva aos nossos professores. Nós deveríamos ter a oportunidade de sentar e conversar com nossos professores. O seu professor deve ter algo de bom nele, embora ele também possa ter coisas negativas. Então durante a conversa com o seu professor ou professora você pode mencionar o que existe de bom nele ou nela. Depois disso você pode dizer o que existe de bom em outros professores, especialmente as coisas que você não vê em seu professor ou professora. Você tem que falar de tal maneira que não soe como se você estivesse acusando o seu professor. Você diz aquilo que aprecia em seu professor e depois diz o que você aprecia em outros professores. Esta é uma forma indireta de ajudá-lo a desenvolver estas qualidades positivas que ele ainda não desenvolveu.

Também podemos dizer que nós, alunos, às vezes somos tolos e às vezes somos difíceis. Então dizemos, por favor, nos ajude para que possamos ser menos tolos e menos teimosos. Se conversarmos com nosso professor dessa maneira e escutarmos profundamente o nosso professor, ele nos apreciará. Fazemos um esforço para agradar nosso professor e ele se esforçará para ser um melhor professor.




Existem muitas maneiras pelas quais podemos chegar ao nosso professor. Podermos ir até ele sozinho ou com outro aluno e às vezes podemos conversar com outro professor e pedir a ele que nos ajude. Às vezes podemos escrever uma carta de amor à nossa professora, sem acusações. Se você não tem a chance de conversar diretamente com ela, você pode escrever uma carta reconhecendo todas as boas qualidades dela e você pode pedir a ela para não fazer as coisas que lhes faz sofrer. Três ou quatro de vocês podem juntos assinar a carta. Se você escreve usando a fala amorosa terá chance de a sua professora ler a carta. Espero que estas sugestões ajudem. Tentem, por favor.


Criança: Porque temos que morrer um dia?

Thây: Imagine que só o nascimento existisse, e a morte não existisse. Um dia dificilmente haveria lugar na terra para se ficar em pé. Morrer significa deixar lugar para os nossos filhos. E quem são os nossos filhos? Nossos filhos somos nós mesmos. Nossos filhos são nossas novas manifestações. O filho é a continuação do pai. O pai olhando para o filho tem o sentimento que ele não morrerá porque o seu filho existe para continuá-lo. Olhando desta maneira você vê que não está morrendo, você está continuando no seu filho. E o seu filho não está morrendo porque ele está continuando no neto e assim por diante. Meditação budista nos ajuda a olhar profundamente para ver que não há realmente morte, mas continuação em formas diferentes.

Veja a nuvem no céu. A nuvem pode ter medo de morrer. Mas existe um momento em que a nuvem tem de ser transformada em chuva para cair. Mas isto não é realmente morrer. Isto é mudar de forma. A nuvem se transforma em chuva e a nuvem continua na chuva. Se você olhar profundamente para a chuva você pode ver nuvem. Não há realmente morte. Você continua a existir em muitas outras formas. A nuvem pode continuar na forma de neve, na forma de chuva, na forma do rio, na forma de gelo. Um dia a nuvem pode se tornar um sorvete. Se a nuvem não morresse como poderíamos ter sorvete para tomar?


Thây não tem medo de morrer porque Thây se vê nos discípulos dele, em vocês. Vocês vieram aprender com Thây e tem muito de Thây dentro de vocês. Thây está se doando a vocês.  Se você tiver recebido alguma compreensão, alguma compaixão e algum despertar de Thây, Thây continuou em você.
 Mais tarde se alguém quiser procurar por Thây ela simplesmente vem até vocês e vê Thây. Thây não está somente aqui [apontando para seu próprio corpo], Thây também está ai [apontando para as crianças]. Isto é o que eu mais gosto em meditação budista. Meditação budista pode nos ajudar a transcender a morte.

Você sabe que a morte é muito importante para o nascimento, para a nossa continuação. Em nosso corpo existem muitas células que morrem a cada minuto para deixar espaço para que novas células nasçam. Nascimento e morte acontecem a cada minuto dentro do nosso corpo. É por isso que nascimento e morte estão ligados um no outro. O nascimento faz a morte surgir e a morte faz surgir o nascimento. Se chorarmos toda vez que uma célula morre não teremos lágrimas suficientes. Se toda vez que uma de nossas células morrerem nós organizarmos um funeral, passaremos o tempo todo organizando funerais. Por isso devemos compreender que nascimento e morte acontecem todo instante dentro de nós. Por isso o papel da morte é muito importante. Isto diz respeito à primeira resposta. Mas a segunda resposta é melhor. Olhando profundamente você não vê nascimento e morte, você vê que existe uma continuação. Se você estudar mais profundamente verá mais profundamente.

Criança: Querido Thây, quantas horas de meditação você pratica diariamente, quantas horas de meditação sentada e quantas horas de meditação caminhando?


 Thây: Toda vez que eu me sento, seja na posição de lótus ou meio-lótus ou na posição de crisântemo ou em qualquer outro tipo de posição isto é meditação sentada. Eu não sou um bom matemático por isso eu não conto muito bem. A minha prática é fazer assim: toda vez que eu me sentar ser uma meditação sentada. Eu quero me sentar tranqüilamente e cheio de paz. Durante o tempo que eu tenho que dar uma palestra de Darma, embora eu tenha que falar, também é uma meditação sentada. Eu me sento com estabilidade e paz. Você não conta somente o tempo sentado no salão de meditação, você conta o tempo sentado em todo lugar. Sentado na grama, sentado no morro; qualquer hora de estiver sentado é uma meditação sentada.

 Toda vez que você move os pés e toca o chão, toda vez que você vai de um lugar a outro você pode praticar meditação andando. Em Plum Village nós somos aconselhados a fazer assim. Nós não só fazemos isto por uma hora ou uma hora e meia por dia, mas o dia inteiro. Toda vez que você anda deve ser uma meditação andando porque isto lhe traz mais felicidade, mais paz do que qualquer outro tipo de caminhada com a mente dispersa. Também não devemos conversar enquanto caminhamos porque temos que nos empenhar completamente na caminhada. A cada passo você se doa 100% para poder produzir a energia de paz e estabilidade. Se você conversa a fala retira a energia da caminhada. Monges e monjas são encorajados a sempre andarem assim. Se você precisa ouvir alguém, pare e ouça com 100% de si.



A prática em Plum Village não é apenas ter algum tempo durante o dia para a prática. Você tenta praticar o dia inteiro. Esteja você cozinhando ou lavando você segue a sua respiração. Se você faz as coisas conscientemente isto já é uma meditação. Em Plum Village nós praticamos meditação continuamente e queremos fazer tudo de uma forma relaxada. Dirigindo um carro, conversando ao telefone, lavando os pratos – queremos fazer tudo pacificamente. Consideramos cada atividade como sendo tão importante quanto o momento da meditação sentada. Você pode curti-la. Agora estamos tendo uma sessão de perguntas e respostas. Eu não penso que isto é um trabalho duro. Eu penso que perguntas e respostas pode ser um momento muito alegre. Você me faz uma pergunta e eu coloco toda a minha energia no ato de lhe escutar e de tentar lhe compreender. Eu tento ao máximo responder as perguntas de vocês com todo o meu coração. Podemos nos divertir muito e ter muita felicidade. Podemos ter muita paz e calma enquanto fazemos isto.

Criança: Querido Thây, o que devemos fazer quando outras crianças fazem gozação da gente?



Thây: Existem várias formas de praticar. Se você é um bom praticante, você retorna a sua respiração consciente e apenas sorrir para a pessoa que está gozando de você. Esta é a resposta mais bonita. Você não fica com raiva, você apenas olha para ela e sorrir. Isso mostra a ela que você não está afetado pela tentativa dela de lhe deixar com raiva. Embora você não diga nada, embora você apenas olhe para a pessoa e sorria, sua mensagem é muito clara. Eu tenho paz dentro de mim. Eu não vou ficar com raiva. Você não consegue me provocar para me deixar raivoso. Isso também é um ensinamento para ele ou ela. Você só consegue fazer isto se praticar antes.
 
Em casa, quando alguém disser algo ou fizer algo irritante, você retorna a sua respiração. Inspirando, sorrio. Expirando, acalmo. Você apenas olha para ele e diz silenciosamente: por que você está fazendo isto? Você não diz isto em voz alta. Você somente olha e sorrir e existe compaixão dentro de você. Você ver que a outra pessoa não está feliz e é por isso que ela está expressando sua violência e irritação. Pois você sabe que pessoas felizes não fazem aquilo. Elas não deixam as outras pessoas infelizes.

Eu desejo que todas as crianças que vierem à Plum Village possam praticar este ensinamento. Toda vez que houver uma irritação dentro de você, não diga coisa alguma. Faça nada. Apenas volte-se para dentro de si e pratique a respiração consciente. Inspirando eu me sinto calmo. Expirando, eu não vou ficar raivoso. Continue sorrindo como uma flor que você desarmará todo mundo. As pessoas deixarão de lhe provocar. Elas aprenderão com você. Seja uma flor.


Quando você provoca uma flor, quando você chama a flor por nomes grosseiros o que fará a flor? A flor continuará a sorrir para você.
Quando alguém chega e tenta rir de você ou lhe provocar, apenas pratique “flor viçosa”. Inspirando, estou vicejando como uma flor. Expirando, estou sólido como uma montanha. Thây transmitiu a vocês a flor e a montanha; certo? Vocês têm a flor e a montanha dentro de vocês. Façam bom uso da flor e da montanha dentro de si e vocês não serão afetados pelo o que outras pessoas dizem sobre, ou fazem com você. Se você começar a praticar desde cedo, no futuro se tornará um grande praticante e você será capaz de ajudar muita gente, inclusive os seus filhos e netos.
 
The Mindfulness Bell – A Journal of the Art of Mindful Living
 Issue no.  31, 2002, pp 30-32.
Tradução: Tâm Vãn Lang