Oração & Meditação


Nesta memorável entrevista com Editores da Weekly Magazine, o Venerável Mestre Thich Nhat Hanh  fala sobre o significado profundo da oração; explica que não rezamos apenas com a mente, mas com o corpo também; diz como podemos evitar cair na armadilha de proferir palavras desatentamente e executar gestos mecanicamente, durante as práticas espirituais, como estabelecer um relacionamento estreito entre meditação e oração em nossas vidas, explica como a oração está relacionada à paz e pacificação – entre outros assuntos.  Um diálogo muito inspirador para leitores de todos os credos e tradições. Vale à pena conferir!

Leia aqui a entrevista original em inglês.



 Tradução por Tâm Vãn Lang


Alguns cristãos – aqueles que pensam em Deus como alguém externo, poderoso e transcendente – ficariam surpresos ao saber que os budistas rezam. O que você diria a eles?

Talvez os cristãos e os budistas compreendam diferentemente o que significa rezar. Mas para começar, eu diria que quando falamos sobre o ato de rezar, pensamos naquele que reza, naquele a quem remetemos a oração, e naquele por quem rezamos como três pessoas. E a pessoa por quem rezamos pode ser nós mesmos; nós rezamos para o nosso próprio bem estar, mas podemos sempre distinguir três pessoas: aquela que reza, àquela a quem remetemos a oração, e aquela por quem rezamos.

Dizer que budistas não remetem suas orações a alguém exterior ou a uma força pessoal não parece ser correto. Rezar também significa pedir ajuda, e na tradição budista nós pedimos ajuda à Sanga; pedimos ajuda a Buda. A pessoa que está pedindo, a pessoa que está rezando, é o ponto de partida. Aquela pessoa precisa ver as coisas com clareza suficiente, tem que estar suficientemente calma e serena para pedir ajuda; e em primeiro lugar ela deve estar realmente presente, concentrada, com um desejo, uma intenção. Esta é a condição básica para a eficácia da oração. A pessoa que reza deve estar realmente presente, estabelecida no aqui e agora, tendo uma intenção muito clara, um desejo muito claro para quem ela rezará e por quem ela rezará. Se a pessoa que reza se coloca nesta situação, muito já foi realizado. Aquela pessoa já começou a gerar a energia da oração, porque ela está realmente no aqui e agora concentrada, plenamente consciente e com uma intenção. Se isto não acontece, então nada acontecerá.

Além disso, aquele para quem a pessoa está rezando deve ser conhecido dela - não apenas a idéia de uma pessoa. Se você reza para Buda, deve saber quem é Buda, e não ter apenas algumas idéias sobre Buda. Se você souber quem é Buda, a oração será eficaz.  Se você sente que Buda está totalmente presente no aqui e agora, que você tem a capacidade de entrar em contato com ele, então a oração será eficaz. Você sabe que Buda existe também dentro de você na forma de consciência plena, compaixão, concentração; Buda, portanto, deixa de ser uma idéia para ser uma realidade.

Suponha que você reza para o seu pai pedindo ajuda a ele. O seu pai, você sabe quem ele é. Seu pai viveu muito, digamos noventa anos, e as células do corpo dele ainda estão em você. Então quando você se dirige a seu pai: “Paizinho, ajude-me” – você entra em contato com o seu pai da forma mais concreta; você não entra em contato apenas com uma idéia. Pai não é uma idéia. Você é a continuação do seu pai. Suponha que alguém lhe diz que há uma suspeita de você ter câncer. Você pode chamar seu pai para ajudá-lo: “Paizinho, eu sei que você é forte, suas células são tão maravilhosas, elas estão em mim; por favor, venha me ajudar”. Depois você sente a resposta de seu pai imediatamente em seu corpo. Seu pai diz: “Estou aqui, não se preocupe, meu filho. Nós temos células muito fortes. Elas sabem se multiplicar. Não se preocupe”. Quando você reza desse jeito, você entra em contato com seu pai e pode ver o efeito da oração imediatamente. Se você tem uma avó, um avô que era forte, você sabe que aquela para quem você reza existe sempre dentro de você e a sua volta. Por isso, neste tipo de prática, você vê que o seu pai, sua mãe, seu avô ainda existem em suas novas manifestações. Nós não estamos endereçando nossa oração para alguém ou algo irreal, inexistente, mas para uma realidade.

O mesmo se dá com Buda ou Jesus. De acordo com a nossa compreensão profunda, Buda continua, Jesus continua em suas novas formas. E se você é um praticante budista, você está continuando Buda; então Buda, enquanto objeto de sua oração, é uma realidade e não apenas uma idéia. Esta prática repousa na compreensão básica de que nada se perde. Seu pai ainda existe, sua avó ainda existe, Buda ainda existe em suas novas manifestações. Então a segunda pessoa na oração, para quem rezamos, é concreta, está realmente presente, e nós realmente podemos entrar em contato com ela. Por isso é muito importante ter este discernimento. Jesus, Buda e avô não são algo que só existiram no passado; eles existem no aqui e agora. Eles estão dentro de você, à sua volta e você pode entrar em contato com eles. É como a Sanga; a Sanga existe, e se você tem alguma dificuldade, apenas diga: “querido irmão, querida irmã, Sanga, por favor, ajude-me”. A Sanga não é uma noção; a Sanga é uma realidade.

Nós sabemos que a sanga existe, a comunidade de irmãos e irmãs, a comunidade de praticantes existe. Nós podemos sempre confiar na sanga, e a sanga sempre carrega o Darma vivo, e o Buda vivo. Portanto, ao tocar a Sanga, ao tocar o Buda, ao tocar o Darma, você toca realidades. E o ato de rezar é muito concreto. Ele deve trazer transformação e cura. Quando dizemos “Querida sanga, por favor, envie energia para este ou aquele irmão que está em dificuldade”, nós confiamos realmente no poder da sanga. Nós sabemos que a energia coletiva da sanga é real. Porque a Sanga contém Buda e Darma, nós também temos conosco a energia de Buda, temos o Buda vivo, e o Darma vivo.

Se praticarmos bem, a energia da oração será muito poderosa e imediatamente poderá resultar numa transformação. Aquela energia está dentro da pessoa que reza, e dentro da Sanga que apóia a oração trazendo energia coletiva. Como a Sanga possui o Darma vivo e Buda vivo a energia pode ser muito poderosa. Aquela energia é produzida a partir de dentro e a partir da sanga. E nós sabemos que aquela energia pode somente ser gerada quando a consciência plena, concentração e compreensão profunda estão presentes. Você, aquele que pede à sanga para enviar energia, deve estar totalmente presente. Deve estar consciente, concentrado, e deve ter a compreensão profunda de que você é uno com aquele a quem você endereça a oração, e você também é uno com aquele para quem você reza. Por isso a compreensão profunda é importante na oração; e se consciência plena, concentração e compreensão profunda estiverem presentes, haverá uma transformação e cura.

Contemplando profundamente, você verá que se os cristãos rezarem dessa forma, com consciência plena, concentração e especialmente compreensão profunda, não haverá muita diferença entre budismo e cristianismo. Você sabe que você é uma parte muito importante da oração. A eficácia da oração depende muito de você; porque se você não estiver presente, se não tiver solidez, e não tiver compreensão profunda, você não pode entrar em contato com a energia poderosa da sanga de Buda. No budismo não falamos em Deus, não falamos em criação, não falamos em revelação, não falamos em redenção ou punição. No budismo, mente é o equivalente a Deus, especialmente a mente coletiva.  A mente é base de tudo; e quando sua mente entra em contato com a mente coletiva, tudo é possível. Se nossos amigos no cristianismo vêem que Deus é o espírito da mente coletiva do qual tudo se manifesta – então a distância separando budismo e cristianismo não seria grande de forma alguma. Isso depende da forma como compreendemos Deus. Se compreendermos Deus como a base do ser do qual tudo se manifesta, então a nossa compreensão não é diferente da visão budista da mente; porque no ensinamento budista, a mente é o artista que desenha tudo, especialmente a mente coletiva.

Por que é importante rezar com o corpo?

Todo mundo sabe que a posição do nosso corpo é muito importante em oração. Se você une as palmas, se você está na posição ajoelhada, então você pode estar mais concentrado porque você está se remetendo a Buda, a Sanga ou a Jesus com consciência plena e respeito, e você está mais verdadeiramente presente.

No que concerne à compreensão profunda, nós aprendemos na tradição budista que corpo e mente não são duas coisas separadas. O corpo é parte da mente, e a mente é parte do corpo. O corpo é uma continuação da mente e a mente é uma continuação do corpo. A realidade se manifesta enquanto corpo, enquanto mente; namarupa. Quando você aprende sobre os doze elos, você sabe que é devido à ignorância que existe consciência. Se não existir ignorância, a consciência será chamada de sabedoria. É por causa da existência da ignorância que as coisas são chamadas de consciência. Porque há ignorância, há impulsos que faz surgir consciência. Consciência é a mente com o elemento da ignorância. E a partir da consciência corpo e mente se manifestam. Por causa da ignorância nós pensamos que corpo não é mente e mente não é corpo; mas ambos se manifestam a partir da consciência.

Com este tipo de visão, da não dualidade mente e corpo, os budistas sempre envolvem o corpo em oração, em meditação: “a contemplação do corpo de dentro do corpo, a contemplação da mente de dentro da mente”. O corpo contém a mente e a mente contém o corpo. Por isso, na meditação sentada, na meditação andando, no trabalho consciente, na prática da respiração, mente e corpo sempre se torna um, para que a prática seja correta, seja frutífera. Você não apenas pratica meditação com a mente; sua mente é apenas metade. Você tem que meditar com seu corpo. Quando você toca a realidade última, você também a toca com seu corpo e não apenas com sua mente. Quando você toca o Reino de Deus ou a Terra Pura de Buda, você os toca com seus pés, suas mãos, seus olhos, e não apenas o seu espírito. É por isso que na tradição budista, a mente e o corpo devem ser um. De qualquer modo, eles se manifestaram da mesma realidade: a consciência; e na tradição do cristianismo, as pessoas tem sido capazes de também ver isso. Para rezar, você deve estar calmo, você tem que ir pra casa dentro de si. Você tem que rezar com todo o coração e não apenas com a boca.

“Como você pode evitar cair na armadilha de cair numa rotina quando estiver rezando – a armadilha de por em prática palavras e gestos sem prestar atenção?

Quando você vem até aqui para celebrar cantando, quando você escuta os cânticos, você tem que envolver todo corpo e mente. Se fizer isso, você está concentrado, você está em consciência plena, você influencia a sanga e se torna um com a sanga, como um rio. Você não mais existe enquanto indivíduo; você se torna o rio da sanga. A mente deve sempre estar com o corpo. Por isso a prática de andar conscientemente pode ser considerada uma oração. Você ora com os pés; e quando você anda com consciência plena, você toca o Reino de Deus, a Terra Pura de Buda. E você pode ver a efetividade da oração imediatamente.

Quando você inspira e expira conscientemente, isto é uma verdadeira respiração. O corpo e a mente estão unidos. Seria uma pena se nós apenas orássemos com a boca – recitando algo, enquanto nossa mente vagueia no passado ou no futuro, ou pensa sobre nossos projetos. Isto não é oração, porque se não estiver plenamente consciente, você não está concentrado e não tem compreensão profunda. Os alicerces da oração são: consciência plena, concentração e compreensão profunda. Na tradição cristã, existem pessoas capazes de rezar assim, com consciência plena, concentração, e a isso eles chamam de oração do coração. Você realmente reza com seu espírito e corpo juntos, e não apenas unindo suas palmas e cantando algo. Quando você chega para entoar cânticos, e enquanto canta você estiver pensando em algo, você tem que ir pra casa dentro de si: “O que estou fazendo? Estou representando, não estou praticando. Estou representando um cântico. Não estou praticando. Não estou praticando de forma alguma”.

Os outros membros da sanga devem lhe lembrar disso pela maneira de cantar, pela maneira de praticar, e você tem que ajudar a sanga a praticar assim: corpo sempre junto da mente. Assim podemos evitar a armadilha de praticar somente a forma. Essa armadilha é universal; ela pode acontecer no budismo, no cristianismo e em toda religião. Nós sabemos que se a prática for assim, não terá efetividade alguma. Você não dispõe do Reino de Deus, você não dispõe da Terra Pura de Buda, porque você não tem consciência plena, concentração e compreensão profunda. Às vezes eu lembro à sanga antes de nossas refeições coletivas dizendo, por exemplo, “Vamos respirar de um modo tal que muitas pessoas se tornem uma única pessoa”. Nós temos que encontrar formas de recitar nossas Cinco Contemplações antes da refeição de forma que elas não se tornem rotineiras, recitadas apenas na forma. Nós também temos um poema que podemos dizer silenciosamente para nos ajudar: “Na dimensão do espaço e tempo, nós mastigamos tão ritmicamente quanto respiramos, mantendo a vida de todos os nossos ancestrais, abrindo um caminho ascendente para os descendentes”. Se alguém puder lembrar a sanga antes de comer, então todos na sanga têm uma chance de praticar realmente e não apenas na forma. Quando nos curvamos de mãos postas diante do altar como parte da cerimônia, nós temos outro poema que podemos recitar: “Aquele que se curva e aquele que é reverenciado não estão separados; portanto a comunicação entre eles é inexprimivelmente perfeita”. Então nós precisamos ter lembretes de vários tipos, estimulando, incitando, sempre nos lembrando. Assim não caímos na armadilha de praticar somente a forma. Nós temos que ser habilidosos, astutos, para encontrar meios de manter nossa prática viva; e por isso, nós devemos ter palavras encorajadoras antes da meditação andando ou da meditação sentada.

"No seu livro sobre oração há um capítulo sobre meditação. Como o Senhor vê o relacionamento entre meditação e oração na sua própria vida?”

Dentro do espírito budista, qualquer coisa que fizermos que estejam acompanhadas de consciência plena, concentração e compreensão profunda pode ser considerada uma oração. Quando você bebe o seu chá com a mente dispersa, a vida não está lá. Você não está verdadeiramente vivo porque você não está lá, não está consciente, você não está concentrado. Aquele momento não é um momento de prática, é um momento secular. Mas quando você começa sustentar seu chá com consciência plena e concentração, e quando você bebe o seu chá em plena consciência e concentração perfeitas, é como se você estivesse executando um ritual sagrado; e isso já é uma oração. Se quando você anda, desfruta cada passo; se cada passo lhe nutre, lhe transforma, cada passo é uma oração. Portanto, no ensinamento, na prática, na tradição do Budismo, realmente não há distinção entre meditação e oração, porque quando você está consciente, concentrado, quando você tem compreensão profunda, você entra em contato com a terra de Buda, com Buda, com a Sanga. Quando você realmente reza, você entra em contato com Jesus, com o Reino de Deus, e entrar em contato dessa forma faz surgir transformação e cura. Quando há consciência plena, concentração e compreensão profunda, não há distinção entre aquele que ora e aquele para quem remetemos nossa oração. Por isso a comunicação é profunda; e transformação e cura devem acontecer.

Quando você anda no aeroporto, cada passo que você dá pode ser uma oração. Você está verdadeiramente vivo; você não desperdiça seu tempo, sua vida. Quando você senta com solidez e liberdade, quando inspira e expira conscientemente, quando você toca as maravilhas da vida, isto é meditação, isto também é oração. E na oração verdadeira, não há mais separação alguma entre aquele que reza e aquele para quem rezamos. No Cristianismo, nossos amigos dizem “viver cada momento na presença de Deus”. Se você viver com consciência, concentração e compreensão profunda, você nunca se afasta de Deus; você está sempre em contato com Deus, na presença de Deus. Quando você vive cada momento de sua vida diária na presença de Deus, isto significa que sua vida diária é uma oração; e existem aqueles que são capazes de viver assim.

Aprendemos no budismo que existem formas muito concretas de gerar a energia da consciência plena, concentração e compreensão profunda, e nossa prática consiste em gerar essas três energias. Se estas energias existirem, não mais haverá qualquer separação entre aquele que está rezando e aquele a quem remetemos nossa oração. Quando você pratica consciência plena enquanto se senta; anda; cozinha; lava; você não sente que desperdiçou sua vida. Você está vivendo profundamente cada momento de sua vida. Sua vida se torna uma oração. Muita paz e felicidade resultam deste tipo de vida.

“Como as pessoas podem encontrar tempo para rezar diariamente?”

Esta pergunta já foi respondida em parte pelo que já foi dito. Quando cada passo se torna uma oração; quando cada respiração se torna uma oração, quando cada momento  de trabalho, de dirigir e comer se torna uma oração, você não precisa reservar tempo para oração, porque toda sua vida diária está dedicada à prática da oração. Por isso, respondendo esta pergunta, dizemos que nós não devemos dividir o tempo dessa forma: tempo para trabalhar, para comer, para viver em esquecimento, e depois reservar tempo dedicado à consciência plena, concentração, compreensão profunda e oração – esta não é a forma como vemos isto. Todo momento de nossa vida diária pode ser um momento de oração, de meditação, de prática. Nós precisamos ser treinados para fazer isso. Há momentos quando não estamos verdadeiramente vivos, somos puxados, arrastados por nossas preocupações, nossa raiva, nossos projetos; e nós desperdiçamos a vida por causa disso. Ninguém quer desperdiçar sua vida. Nós queremos viver nossa vida profundamente, e a única forma é orando, gerando a energia da consciência plena, concentração e compreensão profunda, e assim podemos viver muito profundamente cada momento de nossa vida diária. Nossa vida é uma vida de prática, é uma vida de oração, e não existe distinção entre hora de rezar e hora de viver ou não rezar.

“O que as pessoas poderiam fazer diariamente, que as aproximariam da felicidade que buscam?”

Estamos tão ocupados; não queremos fazer tantas coisas. Queremos saber somente uma coisa: o que podemos fazer para nos aproximar da felicidade que buscamos todo dia? Eu acho que se movimentar com consciência plena, andar conscientemente, pode ser o que propomos como dádiva, porque temos que nos mover muito durante nossa vida diária. Se você quer ir daqui pra ali, mesmo que precise somente dar cinco ou seis passos, e se você souber dar estes passos conscientemente, isso já pode ser muito útil. Você anda até a garagem e se deleita com cada passo que dá; não pensa em nada mais, apenas se deleita com o ato de caminhar. Você anda até o escritório, para o seu local de trabalho ou para o refeitório, e cada passo que dá deve trazê-lo de volta ao aqui e agora para que você desfrute o que está acontecendo. Eu penso que se todas as pessoas da Terra soubessem desfrutar o caminhar conscientemente, só isso já transformaria a Terra e a sociedade; porque todos saberiam os segredos de se tornar mais conscientes, todos saberiam curtir cada passo que dão.

Meditação andando é algo que todos podem fazer. Existem aqueles entre nós que acham difícil praticar a meditação sentada; mas andando, todos andam. Então eu proponho que todos – estejam em Berkeley ou Nova Iorque, ou Amsterdã, ou Paris, ou Bangkok – curtam caminhar conscientemente. Toda vez que derem um passo conscientemente, eles interromperão o esquecimento [a dispersão mental], eles retornarão à vida, tocarão as maravilhas da vida, para a cura e transformação deles. A meditação andando é muito agradável, transformadora e restauradora. Eu proponho a cada um dos leitores da revista Publishers Weekly que inicie a prática da meditação andando - isto mudará suas vidas. Quando você pratica andando conscientemente, você inclui seu corpo e mente, inclui sua respiração, você se torna totalmente presente, totalmente vivo, e fica mais próximo da felicidade que está buscando.

“Como a oração está relacionada à paz e à pacificação?”

Quando você está consciente, quando você está concentrado, quando você tem compreensão profunda, há mais paz no seu corpo, mais paz na sua mente. Se você sabe deixar a energia coletiva da sanga penetrar em seu corpo, se você realmente sabe praticar a respiração consciente para liberar a tensão do seu corpo e dos seus sentimentos, então já existe mais paz em você. No momento em que você se senta e começa a inspirar, acalmando sua mente e seu corpo, a paz se tornou uma realidade; e respirar assim é oração. E quando há o elemento de paz em você, você pode se conectar com outras pessoas, e você pode ajudar os outros a ser pacíficos como você. Juntos vocês se tornam um corpo de paz, o corpo-sanga da paz.

Muitos de nós estamos bastante ansiosos para trabalhar pela paz, mas não temos paz interior. Exigimos a paz, furiosamente, e gritamos com as pessoas que também são a favor da paz como nós. Existem muitos grupos empenhados em promover a paz, mas brigam um com o outro e não conseguem ter paz. A paz deve começar conosco, com a prática de sentar calmamente, andar conscientemente, tomar conta do nosso corpo, relaxando a tensão do nosso corpo e dos nossos sentimentos. Assim a prática pode nos trazer paz imediatamente; e quando você está mais tranqüilo, mais agradável, você pode ser mais eficaz ao contatar outras pessoas e convidá-las para se unirem ao trabalho de pacificação. E como você está tranqüilo, você sabe olhar pacificamente, falar pacificamente, reagir pacificamente e você consegue persuadir muitas pessoas a se unirem no seu trabalho de promoção da paz e reconciliação.

Você não consegue ter paz apenas sentando e negociando ou fazendo planos. Você tem que aprender a inspirar e expirar para se acalmar, e você tem que ser capaz de ajudar a outra pessoa a fazer como você. Se não há elemento de paz dentro de você e da outra pessoa, nenhum trabalho, nenhuma atividade podem ser descritos como atos genuínos de pacificação. Portanto, o presidente de uma nação, o primeiro ministro de uma nação, o chefe de um partido político têm que praticar a paz, orar pela paz com seus corpos e  mentes antes de estarem aptos a pedir aos outros primeiros ministros e chefes das nações que se unam a ele ou a ela na promoção da paz. Eu sugiro que cada conferência pela paz comece com uma meditação andando, uma meditação sentada; alguém deve estar lá para dar instruções de como fazer relaxamento total para remover tensões, raiva e medo do corpo e da mente. Isto é civilização; isto significa trazer a dimensão espiritual para dentro de nossa vida social e política. A paz na pessoa fará surgir paz na comunidade, no mundo. E nós temos que praticar a paz em nossa corporação, em nossa escola, em nosso partido, em nossa prefeitura. Os professores das escolas devem praticar a paz e ensinar os alunos a praticarem a paz. No congresso, as pessoas têm que praticar a paz por elas mesmas e pedir a outros membros do congresso que pratiquem a paz. A estratégia da paz deve envolver práticas com nosso corpo e mente.

“Os cristãos atraídos pelos ensinamentos budistas deveriam se tornar budistas?”

Os cristãos que sabem gerar consciência plena, concentração e compreensão profunda já são budistas, independentemente de terem formalmente tomado os Cinco Preceitos e os Três Refúgios ou não. Eles são verdadeiramente budistas, mesmo se não se considerarem budistas, pois a essência do budismo é a consciência plena, concentração e compreensão profunda. Existem cristãos capazes de serem conscientes e concentrados e compreensivos, e eles já são budistas; eles não precisam vestir o rótulo “budista”. Quando eles expressam o desejo de tomar os Três Refúgios e os Cinco Preceitos Maravilhosos (Os Treinamentos da Consciência Plena), eles sabem que esta prática também fortalece a fé deles no cristianismo. Eles sabem que não perdem as raízes deles e não traem a tradição deles, baseados na compreensão profunda de que na tradição deles, a consciência plena, a concentração e compreensão profunda são também muito importantes. Ao virem a um centro de práticas meditativas, eles aprendem métodos de práticas que podem ajudá-los a gerar consciência plena, concentração e compreensão profunda. Eles sabem que na tradição deles, essas energias também são muito cruciais. Eles querem fazer uso de seus insights e experiências para renovar a tradição deles, para que muitos jovens conheçam formas mais concretas de gerar essas energias. Praticando meditação budista dessa forma não só os ajuda a ser um melhor cristão, mas também os ajuda a renovar o cristianismo de tal forma que a nova geração de cristãos se sentirá mais confortável. Toda tradição deve ser renovada à luz dos novos desenvolvimentos no mundo; o Budismo também deve renovar-se.

Então não devemos ser aprisionados pelas aparências. Existem pessoas que se chamam ‘budistas’, que de fato não são muito budistas, porque há discriminação e dogmatismo nelas. Elas são menos budistas do que muitos cristãos. Existem muitos cristãos que não se chamam ‘budistas’, mas que são mais budistas do que esses ‘budistas’. Temos que aprender a olhar dessa forma. Quando um cristão abraça a prática budista corretamente, ele nunca será desenraizado da sua herança cristã. De fato, ele ou ela terá mais oportunidade de redescobrir sua própria tradição e ajudar a renová-la.

A atitude correta não é a de encorajar as pessoas a se desenraizarem das tradições delas. A atitude correta é urgi-las a retornar as suas tradições, e a prática budista da consciência plena, concentração e compreensão profunda deve ser capaz de fazer isso.

Eu acho que existe um número suficiente de budistas; nós não precisamos converter mais pessoas ao budismo. Apenas cuidar dos budistas que nós temos agora já requer muita energia. Muitos deles não praticam. Então não devemos nos preocupar em fazer mais budistas.

“O que você encontrou no Vietnã quando retornou em 2005? Quais foram suas impressões?

Estive exilado por quase quarenta anos. Deixei o país para clamar pela cessação das hostilidades, e por causa disso não tive mais permissão de voltar pra casa. Quando voltei ao Vietnã, eu percebi que cerca de 35 milhões de pessoas tinham nascido na minha ausência. A maioria das pessoas que me encontrei, eu não conhecia. Mas contemplando profundamente, vejo os pais deles e sou capaz de tocá-los profundamente. O fato mais notável é que não há mais guerra no Vietnã, e isto é a coisa mais maravilhosa. Existem outros problemas, como corrupção, poluição, pobreza; mas não há destruição em massa de vidas humanas com armas. Isso já é alguma coisa.

Voltamos pra casa com uma sanga de 100 monásticos e 100 pessoas laicas e queríamos que nossa comitiva tivesse uma sólida consciência plena, concentração e compreensão profunda para oferecer como presente à nação, ao povo. Queríamos que nossa prática fosse sólida. Somos muito gratos aos monges e monjas e amigos laicos que foram comigo naquela viagem, porque eles tentaram o melhor que puderam para oferecer o melhor tipo de presença ao país e ao povo. Havia muito medo, suspeição e equívocos lá, e tivemos que praticar muito profundamente para ajudar a remover essa suspeição e medo e enganos. Os monges e monjas se alojaram nos templos. É claro que a polícia secreta veio e nos inspecionou. As pessoas laicas se alojaram em hotéis, e sabemos que a polícia secreta também veio aos hotéis nos inspecionar. Os nossos amigos laicos transformaram os hotéis em centros de prática. Eles se acordavam cedinho de manhã e praticavam meditação sentada e meditação andando. Eles só comeram alimentos vegetarianos, nunca fumaram ou beberam vinho ou cerveja. Assim eles começaram a ver nossa autenticidade enquanto uma sanga de praticantes budistas. Eles viram que não só os monásticos praticam bem, mas também as pessoas laicas praticam bem. Havia professores de Darma laicos entre nós. Lentamente, com nossa perseverança, com nossa paciência, com nossa amorosidade, nós começamos a transformar as pessoas. Fomos capazes de ajudá-los a remover as visões errôneas deles. Nós os ajudamos a reduzir o medo deles, a suspeição deles e no último mês da viagem eles nos permitiram realizar palestras públicas fora dos templos. Antes disso, não havia como persuadi-los a nos permitir dar palestras públicas fora dos templos. Muitos comunistas, representantes governamentais vieram às palestras. Eles nunca tinham ido aos templos. Para muitos do círculo comunista, do círculo governamental, esta era a primeira vez que eles se expunham aos ensinamentos do budismo engajado. Eles estavam muito entusiasmados. Nós podíamos ver o nível de medo, suspeição e compreensão distorcida diminuindo a cada dia e nós conseguimos avançar.

Nós sabemos que o efeito da visita ainda continua. Ainda há muitas coisas a serem feitas – lidar com a pobreza, a injustiça social, poluição, corrupção; e nós dissemos que sem irmandade, sem uma dimensão espiritual em nossa vida, nós não podemos fazer essas coisas. Então os membros do partido comunista e funcionários do governo foram urgidos nestas palestras de Darma a abraçar a dimensão espiritual para serem capazes de lidar com questões difíceis enfrentadas pelo país. Durante a visita, nós organizamos retiros para monásticos, onde tantos monásticos compareceram – mais de mil em cada retiro; retiros para pessoas laicas; palestras de Darma, e meditações caminhando. Embora o governo não permitisse a imprensa falar sobre nossas atividades, muitas pessoas no Vietnã estavam cientes que nós estávamos lá, e eu acredito que mais de duzentas mil pessoas vieram e entraram em contato diretamente com a Sanga e a prática. As palestras de Darma proferidas no Vietnã foram duplicadas, e no dia que partimos do Vietnã soubemos que cinqüenta mil CDs de palestras tinham sido produzidos, porque as pessoas precisavam delas, as queriam. Nesta altura, o nosso templo raiz e o templo Prajna têm algo em torno de trezentos a quatrocentos monásticos praticando no estilo de Plum Village, e muitas pessoas estão muito interessadas porque somos um exemplo de budismo renovado. Nós esperamos que a presença desses centros de práticas inspirem muitos templos e muitos centros de prática a renovarem o ensinamento e a prática.

"Você completará oitenta anos este ano. Você planeja se aposentar enquanto professor espiritual num determinado ponto?”

No budismo, vemos que o ensinamento se realiza não só conversando, mas também vivendo a própria vida. Sua vida é o ensinamento, é a mensagem. E como continuarei a me sentar, andar, comer e interagir com a sanga e as pessoas, eu continuo a ensinar, mesmo já tendo encorajado meus alunos seniores a começar a me substituir dando ensinamentos de Darma. Nos dois últimos anos, eu pedi aos professores de Darma não só no círculo monástico, como também no círculo laico, para virem dar palestras de Darma. Muitos deles deram maravilhosas palestras de Darma. Algumas dessas palestras foram melhores do que as minhas. Eu me vejo na minha continuação, e não vou me aposentar. Continuarei ensinando, se não for através das palestras de Darma, será no meu modo de sentar, comer, sorrir e interagir com a sanga. Eu gosto de estar com a sanga. Mesmo se não for dar palestra de Darma, eu gosto de me juntar na meditação caminhando, meditação sentada, comendo em consciência plena e assim por diante. Então, não se preocupe. Quando as pessoas estão expostas à prática, elas se inspiram. Você não precisa conversar para ensinar. Você precisa viver sua vida conscientemente e profundamente. Obrigado.